DESTAQUES

# Os retratos de Alfredo da Silva do fotógrafo Henry Walter Bernett

# Miguel Figueira de Faria

Os dois retratos de Alfredo da Silva que apresentamos foram executados aproximadamente em 1903, no estúdio de Knightsbridge de Bernett, no mesmo ano em que Henry Walter Bernett fotografou o celebre escultor Auguste Rodin (1840-1917). O seu portefólio incluía outros famosos como os escritores Robert Louis Stevenson (1850-1894), Mark Twain (1835-1910), ou a actriz Sarah Bernhardt (1844-1923).

A investigação sobre a vida e obra de Alfredo da Silva desenvolvida pelo Centro de Estudos de História Empresarial (UAL), deu origem a uma trilogia de estudos publicados entre 2004 e 2021. Um dos momentos sempre cativantes, no metabolismo das edições, é o da escolha das ilustrações para as capas, tarefa neste caso nem sempre facilitada dada a reconhecida carência em qualidade e quantidade de imagens do industrial. O documento que escolhemos, nesta oportunidade, recaiu em concordância sobre um raro par de fotografias de Alfredo da Silva, imagens que elegemos, respetivamente, para as capas do primeiro e terceiro volumes da referida trilogia que dedicámos ao grande capitão da indústria portuguesa. Eis um pouco da sua história. Estes dois retratos de Alfredo da Silva foram realizados, em Londres, por Henry Walter Bernett (1862-1934), famoso fotógrafo australiano, radicado na capital britânica, cuja coleção se conserva na National Gallery Portrait. As duas imagens correspondem a poses diferentes, constituindo a que se encontra sentado um caso excecional na sua fortuna iconográfica. Tanto em vida, como depois da sua morte, a sua representação dominante é em pé, reforçando o seu dinamismo de homem de ação. São retratos que se complementam, o pedestre, olhando firme para a câmara, vestido a rigor, dispensando desta vez o cravo na lapela, mas não a bengala na mão esquerda, e o charuto bem visível na mão direita. Esta atitude determinada e sedutora contrasta com a da versão sentada, onde não parece tão à vontade, numa pose mais canónica, como defende a antiquíssima arte do retrato, pousando a três quartos, quase de perfil, libertando a câmara do seu olhar penetrante. Os dois documentos, que pensamos útil associar nesta abordagem, não nos surgiram em simultâneo. Sabíamos inicialmente da existência da versão pedestre que logo foi escolhida para a capa do primeiro volume Alfredo da Silva: Biografia (Betrand, 2004). Quando recentemente preparávamos o terceiro trabalho Alfredo da Silva e a Primeira República (Leya, 2021), em entrevista com o bisneto do industrial, Jorge Maria de Mello, foi possível recolher o segundo retrato, que de imediato ficou reservado para a respectiva capa. Foi surpreendente ter ficado desconhecido todo o tempo que já levávamos de pesquisa iconográfica sobre o industrial e concluímos ser oriundo do espólio da neta Maria Cristina da Silva José de Mello, à qual em partilha tinha cabido em herança a casa de Lisboa de Alfredo da Silva cita a Santa Catarina.
As fotografias de Bernett, constituem o ponto máximo da fortuna iconográfica de Alfredo da Silva nesta fase da sua vida, com cerca de trinta anos, transmitindo, por outro lado, uma realidade conhecida do patrão da CUF, o seu cosmopolitismo desenvolvido em mobilidade pelas grandes capitais europeias. Note-se que, ao contrário dos seus antecessores na presidência da CUF, Henri Burnay ou Martin Weinstein, dos quais se conhecem retratos a óleo executados em vida, Alfredo da Silva não os seguiu, sendo os trabalhos de Henrique Medina, obras póstumas encomendadas pela família. Esta divergência, não resultante obviamente de eventual contenção económica, acentua o espírito de modernidade do industrial simbolizando, de certa forma, uma rotura com o passado oitocentista. Alfredo da Silva assume-se, claramente, como um homem do século XX, dos primeiros a possuir automóvel e dos sócios fundadores do Automóvel Clube de Portugal, fascinado pela evolução da ciência e tecnologia, nomeadamente aplicadas às indústrias, que observava nos grandes centros europeus difusores que visitava com frequência. As fotografias, feitas numa das suas passagens por Londres, constituem uma rara concessão de pose para o retrato, exceção à regra que o próprio imediatismo da arte, em contraponto com as mais demoradas sessões habituais no retrato pintado podem, igualmente, justificar a invulgar disponibilidade.

Retrato de Alfredo da Silva

Retrato de Alfredo da Silva